domingo, 30 de março de 2014

Narrativas orais: a flor de uma infância árida




Incrível como a felicidade encontra-se nos gestos simples da vida, quando estes são repletos de amor e verdade. Isso me veio agora, ao relembrar a forma como o universo da leitura foi-me apresentado. A leitura a que me refiro aqui não é a leitura dos clássicos infantis, mas à releitura que meu pai, semianalfabeto, fazia das histórias que ouvira ao longo de sua vida
A cada vez que me permito relembrar o passado, meu pai afigura-me como um gigante, um herói que, mesmo nas adversidades da vida dura de agricultor, não nos privou - a mim, a minha irmã e a meus três irmãos - dos momentos de alegria e prazer que uma boa história pode despertar numa criança. 

Lembro-me bem do quão maravilhoso era estar diante dele, ouvindo as histórias que ele recontava e até mesmo inventava. Geralmente, esses momentos aconteciam aos domingos à noite, pois ele exercia duas atividades paralelas para poder oferecer o básico, ou melhor, o necessário para nossa sobrevivência: durante o dia trabalhava na roça e à noite era vigilante do prédio da prefeitura de uma cidade vizinha. Assim, o domingo era o único dia em que meu pai passava a noite conosco. 

Nesses momentos ele, apesar do cansaço e da fadiga de uma semana exaustiva de trabalho, dedicava um tempo precioso de sua folga para nos contar as tão esperadas histórias. Quando, meu pai iniciava as narrativas, todos nós nos sentávamos ao seu lado e, concentrados, entrávamos em cada uma de suas histórias. É indescritível a maneira como ele prendia nossa atenção e como suas histórias afloravam nossa imaginação de crianças. Nesses momentos, sentia-me verdadeiramente feliz ao ponto de não querer que aquele momento acabasse. mas isso era inevitável: o cansaço sempre vencia meu pai e nós íamos dormir esperando que a semana acabasse rapidamente para que nós pudéssemos reviver esse momento mágico que, hoje, vejo como uma grande prova de amor de um PAI.

 

Alcione Costa

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